
Os ensaios deste livro foram produzidos pelos
estagiários do curso de Licenciatura em Filosofia da UFSC, em
2014, a partir de dois campos de atuação: o Instituto Federal de
Santa Catarina (IFSC) e o Colégio Aplicação da UFSC.
O trabalho de supervisão desses estagiários, ou seja, o
trabalho de acolhimento na escola e acompanhamento na sala
de aula, devemos a quatro pessoas, sem as quais a formação
filosófica dos estudantes careceria da excelência que a
experiência humana e coletiva nos dá, nesta tarefa de tornar-se
professor, a cada encontro, na escuta e na palavra. São elas:
Sandro Ricardo Rosa e Leonardo Francisco Schwinden, do
Colégio de Aplicação, e Eliodória Ventura e Eliéser Spereta,
do IFSC. A essas pessoas deixamos nossos mais sinceros
agradecimentos: pelo trabalho de formação na escola e de
diálogo permanente com a universidade.
A experiência em sala, desde a etapa da observação e
assistência até o momento da prática de ensino, despertou nos
estagiários e estagiárias o interesse em muitos dos problemas
que integram o nosso sistema escolar, sobretudo no que diz
respeito à possibilidade de se ensinar Filosofia (o que significa
também a possibilidade de o discurso filosófico produzir algum
efeito sobre aqueles que não escolheram a filosofia como modo
de vida e/ou profissão). Assim, tais ensaios expressam o
trabalho de o estagiário primeiramente se situar como sujeito
na escola, entre outros sujeitos, segundo a ordem de disciplinas
e de saberes que regulamentam o tempo e o espaço de cada
qual; esse esclarecimento põe ao mesmo tempo em jogo o
desafio de se constituir uma forma de saber cuja razão é
justamente problematizar a realidade (como algo
evidentemente conhecido ou inquestionável) e a ocasião de se
fazer do encontro, num tempo e espaço previamente dados, o
princípio de uma experiência de pensamento e liberdade entre outros. Nada disso, claro, é tão simples, nem seguramente
garantido. Depende em parte da compreensão do que fazemos
(ou do que é possível fazer) onde estamos, em parte também do
quanto o outro está aberto à experiência de aprender a ser livre
ao questionar o que pensa ou julga ser.
Abrimos essa edição com o ensaio de Helder Félix
Pereira de Souza, Por que e como ensinar Filosofia no Ensino
Médio? Ou Sócrates contra Eichman: Educar para o pensar
ou para o não pensar? Nesse texto, somos levados a questionar
o sentido da educação após Auschwitz (os campos de
concentração do Terceiro Reich). Para o filósofo Theodor
Adorno, a razão de educar se daria no evitar a barbárie.
Considerando as possíveis implicações da análise de Hannah
Arendt sobre o julgamento de Eichmann, são pensadas duas
formas fundamentais de educação, segundo duas espécies de
formação: o “tipo Eichmann”, que corresponde à produção de
indivíduos prontos a obedecer a seus superiores, sem pensar o
quanto esses atos seriam bons ou ruins para si e para outros; e o
“tipo Sócrates”: a atividade educacional teria como base um
caráter mais reflexivo, compreendido tanto pelo conhecimento
de si, quanto pelas implicações das escolhas e ações individuais
sobre a humanidade como um todo. Cabem ainda as críticas de
Nietzsche a Sócrates e Platão, no sentido de considerar o
pensamento reflexivo e moral o princípio para nos converter
em animais de rebanho, ao invés de liberar o animal guerreiro.
Como essas questões podem nos levar a uma postura em sala
de aula no que se refere ao ensino de Filosofia? Que métodos
poderíamos utilizar para alcançar os objetivos propostos, os
quais, como proposto nesse artigo, opõem-se a uma educação
que produza indivíduos do “tipo Eichmann”?
Em seguida, lemos o ensaio de Felini de Souza,
intitulado The Wall: Uma reflexão acerca do mecanicismo
escolar e o ensino de Filosofia, no qual somos provocados pelo
clássico filme The Wall, do diretor Allan Parker (1982),
Apresentação
11
baseado no sucesso da banda Pink Floyd: trata-se de questionar
o ensino enciclopédico que reprime a criatividade e a diferença
entre os estudantes, o qual, por sua vez, impossibilita o
exercício filosófico propriamente dito. Em tom bastante
provocativo e instigante, o ensaio traz várias críticas ao nosso
sistema de educação atual, de tal modo que aponta a outro
direcionamento: rumo a uma educação para a reflexão e
liberdade. E nesse sentido, retoma e atualiza muito do legado
de nosso mestre Paulo Freire.
Vale também conferir É possível a Filosofia no
Ensino Médio? Como é possível?, de Vinicius Arion de
Oliveira, quem pensa nossa aptidão filosófica desde a mais
tenra idade. As questões mais básicas feitas por nós quando
crianças, assim, corresponderiam a um exercício filosófico
natural a nós seres humanos, o qual pode e deve ser
incentivado na adolescência. Por quê? Justamente para que tais
questionamentos e dúvidas não sejam rejeitados como meros
“porquês”, mas se tornem princípios para mudanças de
pensamento e atitude frente ao mundo.
Lucas Beligni Campi abre o ensaio Uma possibilidade
para o ensino de Filosofia no modelo atual: o intercruzamento
Kanthegeliano em dois atos com um poema de sua autoria
sobre o exercício filosófico em sala de aula: ressignificação de
si e do outro durante o processo de ensino. Campi direciona seu
artigo para a defesa de um modelo Kanthegeliano do exercício
de Filosofia no ensino médio, o que consistiria numa
compatibilização tanto da proposta kantiana, de um ensino que
proporcione o exercício da autonomia aos educandos, quanto
da abordagem historicista da Filosofia, que é atribuída a Hegel,
já que toda a tradição filosófica, com os dilemas e as grandes
questões da humanidade investigados, não devem ser
ignorados. O foco é, sobretudo, ir além da história da filosofia,
fazendo com que o exercício filosófico ocorra em sala de aula,
e que as ferramentas para a construção de um raciocínio sólido e bem argumentado sejam alcançadas nas aulas (em razão do
que os professores partem dos clássicos da história da
Filosofia). O objetivo não é de pouca importância: permitir ao
estudante de ensino médio, através das aulas de Filosofia, viver
um processo de ressignificação de sua existência, de modo a
fortalecer o seu pensar para o enfrentamento diário dos
próprios problemas.
No ensaio Ensino da Filosofia: Um exercício
Antropofágico, Thor João de Sousa Veras parte do que ele
nomeia uma “pedagogia da devoração”, inspirada no manifesto
antropofágico de Oswald de Andrade, e que se serve de quatro
etapas (aperitivação, deglutição/devoração, digestão e
transformação). Etapas que muito lembram os escritos de
Sílvio Gallo a propósito do ensino da filosofia, embora aqui
esteja em jogo uma apropriação da arte como recurso
fundamental para afetar os alunos “com a filosofia, na filosofia
e para a filosofia”, contando ainda com o suporte da história da
filosofia e a construção de conceitos.
Em O ensinar a filosofar e o filosofar sobre a
sexualidade, de Diego Luiz Warmling, somos instigados a
pensar em como trabalhar a questão da sexualidade nas aulas
de Filosofia, a partir de Merleau-Ponty e seus escritos sobre a
relação do sujeito com o seu corpo, sua reação à dor e ao
prazer, o que importaria à formação da estrutura subjetiva do
indivíduo enquanto tal. Partindo de questionamentos como “o
que vocês entendem por relações afetivas?”, “existe, de fato, o
que podemos entender por uma sexualidade normal? Se existe,
o que pode ser definido como tal?”, o ensaio reforça a
importância do ensino de filosofia como construção de
conceitos, e esboça alguns caminhos para se pensar no ensino
médio o conceito de sexualidade.
Michelle Ramunno Monteiro, no ensaio Os desafios
do ensino de Filosofia para o Ensino Médio, descreve a
aparente falta de interesse dos estudantes nas aulas de filosofia como um dos principais desafios que se apresentam aos
professores de ensino médio, situação que foi “desmistificada”
com a aplicação de um questionário que indagava estudantes
acerca de temas que lhes interessariam. Os resultados foram
surpreendentes, pois levam a perceber que o desinteresse não é
em relação à filosofia em si, mas ao modo como ela tem sido
trabalhada em sala de aula. Como é defendido no artigo, a
atividade filosófica no ensino médio não se trata somente de
transmitir informações ou conceitos, mas também de incitar a
reflexão acerca das questões universais que a Filosofia aponta,
o que pode ser feito pautando o plano de ensino em três
aspectos: problematizar, conceituar e argumentar.
Com o ensaio Sobre o ensino de Filosofia no Ensino
Médio, Guilherme Bortoli, apresenta Sócrates como o
professor de filosofia por excelência. Investiga sua formação e
seus métodos, bem como a importância de o professor ter uma
“atitude filosófica” que possa levar seus interlocutores a
“ascese do pensamento”, sobretudo segundo o uso da dialética.
E ainda temos o ensaio Filosofia no Ensino Médio:
Sim, uma experiência possível, de Aldo Félix Barreto, que traz
algumas experiências de sala de aula e reflexões do professor
supervisor sobre a possibilidade e função da Filosofia no
ensino médio, bem como a responsabilidade atribuída a essa
disciplina e ao professor pelos PCN’s (Parâmetros Curriculares
Nacionais) e OCN’s (Orientações Curriculares Nacionais para
o ensino de Filosofia).
Acerca da Compreensão prévia e filosofia no ensino
médio, Flávio Ricardo da Silva sustenta ser a filosofia possível
por conta de sermos e estarmos sempre em contato com o
mundo, de modo que o existir, como seres conscientes, se torna
o princípio da própria filosofia. Através de alguns exemplos
práticos de formas para se trabalhar em sala de aula, o ensaio
coloca a filosofia como aquela que “abre o jovem para a possibilidade de ressignificação e enriquecimento da própria
experiência no mundo”.
Por fim, o ensaio A importância do estudo dos textos
clássicos nas aulas de Filosofia do ensino médio: reflexões
acerca da docência em filosofia, de Yuri de Almeida, provoca
reflexões sobre a situação do ensino de Filosofia após 2008,
quando se tornou obrigatório novamente, com a
responsabilidade de “ajudar a formar cidadãos”. O artigo nos
chama atenção ainda para o déficit de formação adequada de
professores, visto que muitas vezes o foco dos cursos de
filosofia é o da pesquisa acadêmica e não o da formação de
professores. Também observa o quanto é recente o crescimento
no número de material didático de filosofia. A proposta do
artigo é, sobretudo, mostrar o quanto o estudo dos clássicos
poderia iluminar o ensino de filosofia atualmente, tais como
Platão e Aristóteles, através dos problemas levantados por
esses grandes autores, de modo a tornar possível o exercício do
pensamento crítico e efetivamente encorajada a tal “educação
para a cidadania”.
Muitos contribuíram para a realização deste livro, a
começar pelos próprios estagiários, que se serviram de uma
experiência em razão da qual a vida profissional é precedida
pelo risco de se colocar diante de outros, convencer-se do que
se faz como algo que tem algum sentido e pode dar algum
sentido àqueles que encontra, reconhecer que o tempo no fim
das contas oprimiu e que lamentavelmente não foi possível
falar e discutir tudo o que pensou antes e depois de um
encontro, mas também descobrir que a inclinação solitária e
filosófica pode ser reforçada pela solidariedade de alguns, ao
lembrar ter sido despertada certa apatia ou concentrada a
euforia. Dar-se conta de que o mundo é mundo no seu devir e
fazer filosofia, dar-se a pensar e dar a pensar, eis a diferença,
no trabalho entre os jovens de um mundo que nos dá tantas
coisas quantas poucas boas ideias, as ideias com as quais
Apresentação
15
fazemos mais digna nossa condição tão frágil. A esses
primeiramente agradecemos, os acadêmicos com quem
aprendemos a generosidade de que ensinar é estar cercado de
olhares e distrações, e por isso mesmo o esforço para se
produzir e perceber o entusiasmo que nos dá o pensar.
Agradecemos de modo especial a todos os
professores e idealizadores do LEFIS (Laboratório
Interdisciplinar de Ensino de Filosofia e Sociologia), por
proporcionarem o debate e a integração entre pesquisadores e
professores do ensino médio e das licenciaturas de Filosofia e
Sociologia. Nossos agradecimentos ao professor Alberto
Cupani, que incentivou e amparou os estagiários durante o ano,
em reuniões na universidade e no colégio, além de ter se
dedicado à leitura crítica de seus ensaios.
Boas leituras!
Jason de Lima e Silva
Daiane Martins Rocha