sábado, 9 de abril de 2016

O homem e seu pensamento

         




A representação de um homem que se ajoelha e, com o toque de sua testa, desperta na rocha diante de si a suave forma de uma mulher, que permanece ligada à pedra. Se quisermos interpretar isso, podemos nos satisfazer com a expressão dessa inseparabilidade do pensamento apegado à testa de um homem: pois sempre são seus pensamentos que vivem e se erguem à sua frente; atrás disso há pedra. Relacionada a isso está também a cabeça que pensativa se dissolve até o queixo em uma grande pedra. La pensée, esse pedaço de claridade, ser e face que se erguem devagar do pesado sono da surda permanência.

Rainer Maria Rilke, Rodin, 1902


A cabeça do homem se firma sobre o peito juvenil de um ventre feminino. Suas mãos e seu corpo estão presos na terra. Um rosto lhe escapa do cenho e, ao mesmo tempo, acolhe toda sua introspecção. A virilidade do pensamento se concentra na terra, enquanto uma perna lhe toca suavemente o tronco e acende a chama de seus sonhos mais íntimos. Quem me chama? De sua testa uma força se suspende, como se um vento lhe atravessasse a nuca para varrer os leves braços de suas ilusões. Os braços viram pedra. O homem se segura na pedra e por pouco não é varrido também pelo que sempre por si atravessa e se esvai. O pensamento humano está na unidade de uma silenciosa luta que a obra recolhe. O homem não pode abraçar o corpo que está além de seu corpo, embora diante dele se prostre, para não perdê-lo, e contraia assim todos os seus músculos, para não se perder: como me chegou o que a mim me leva? E num instante tudo volta a ser pedra. Como da pedra que pesa o tempo de cada ato, a vida esculpe no pensamento o que lhe é sempre desconhecido e o pensamento recebe da vida a potência além do instante.

Jason de Lima e Silva


fonte: http://esteticadopensamento.blogspot.com.br/2013/08/o-homem-e-seu-pensamento.html

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